26.5.11

Crónicas de Cov #3


Em casa de estudantes há sempre garrafas vinho espalhadas pelos sítios e há sempre pó nas estantes e nos livros (porque lhes mexem pouco?). Em casa de estudantes há sempre desagrados, e isto até pode nem ter nada a ver com a simpatia uns dos outros, mas com a cultura que têm. Depende muito. Como a francesa de Paris cá de casa, do alto da sua pompa e circunstância tem o mundo na barriga, mas no fundo a barriga até lhe é lisa e transporta uma fenomenal elegância no esqueleto. Concluo que é assim; não se pode ter tudo, ou se é simpático, ou se é elegante. Ora a escolha ficará depois ao critério de cada um. Aqui, a francesa de Paris em questão é rapariga para poucos sorrisos, uns três anos mais velha, mas já com a cabeça no "trabalho", na "casa" e nos "filhos". Habituava à vida parisiense custou-lhe, coitada, a habituação à terrinha, e por isso, só descobriu como meter a roupa na máquina dois meses depois de cá estar. Mas não serei injusta a este ponto, a francesa de Paris é uma miúda aventureira e muito senhora de si. Admiro-a imenso por isto, descobre sempre as lojas mais fixes e mais baratas, e partilha-o connosco, o que é sempre simpático. Ainda no outro dia fomos ali ao centro da cidade pagar as contas, quando ela aproveitou a dica e nos levou à loja de DVD's em segunda mão vendidos a 1,50£ ou coisa que o valha. Foi bonito. A francesa de Paris é rapariga de boas famílias, fez ballet aí há uns anos, e aqui farta-se de fazer natação, activíssima, é uma grande desportista. Depois claro, é um desastre na cozinha, mas como já referi, não se pode ter tudo. Aqui também ninguém quer donas de casa ou algo do género. Quase nove meses depois de viver com elas ainda não sei bem o que pensar da francesa de Paris, no todo destes últimos meses, ter-me-há sorrido umas três vezes, quando estava bêbeda e de resto, diz-me bom dia de má cara quando nos cruzamos ao pequeno almoço. Ainda assim acredito-lhe piamente no espírito rebelde que esconde atrás dos casaquinhos cor-de-rosa e das meias de vidro, a mim não me engana, pois não tenho dúvidas que transporta no sangue a essência parisiense do charme inequívoco e a vontade de transcender limites, já a encontrei algumas vezes nesta discrepância e fartei-me de ir, é uma selvagem. É uma rapariga extremamente clássica e esguia, cabelo luminosamente loiro e curto e direito, na maior parte das vezes atado atrás com um travessão de senhora. Qualquer coisa que vista lhe assenta bem, ainda que seja o pijama azul de algodão que trás por casa. Quando vai às lojas de segunda mão arranja sempre saias de fazer inveja a qualquer uma, mas diz sempre que em França nunca se vestiria assim. Acho piada, anda sempre a condizer, mas em França nunca vestiria este tipo de saias (por terem padrões, ou cores mais fortes?), olho-lhe sempre e esboço-lhe um sorriso quando me fala nas saias, mas nunca me atrevi a perguntar-lhe qual é o problema de as vestir em França, sinceramente, penso que nem quero ouvir a teoria, afinal Paris sempre é a cidade da moda, e há que respeitar o planeamento da indumentária da minha companheira, pois se ela diz que as saias são só para Inglaterra, quem sou eu para lhe dizer o contrário? Tem dias. Acredito que é uma rapariga alegre e bem disposta, mas só quando bebe uma garrafa de vinho, aí sim, já podemos falar de coisas inúteis mas pelo menos conversamos sobre algo. Da última vez até me deu dois beijinhos, confesso que fiquei enternecida, embora acredito que nunca mais aconteça. Enfim, vivo com uma francesa de Paris, que é uma mulher bonita, elegantíssima, e de estilo clássico que lhe assenta especialmente bem (sinceramente nunca a imaginaria a vestir uns Vans e um casaco de cabedal), tem os seus problemas de simpatia, mas não a posso criticar por isso, quando a quiser mais minha amiga basta comprar-lhe uma garrafa de vinho, e até ballet dançará. É boa rapariga.

1 comentário:

  1. francesa de paris há-de ser sempre esguia e fugidia por entre os dedos como areia. :)

    ResponderEliminar