17.11.14

Tenho 23 anos e menos 3 pessoas na minha vida desde o ano passado. Vivo numa casa muito longe de casa e estou à parte das vidas mundanas que acontecem nas casas onde não estou. Faço-me filha, sobrinha, prima e amiga presente, mas em relações pelo Skype, sem abraços e sem beijinhos e sempre desde a mesma cadeira solitária. Anoitece às três da tarde e escrevo muitos postais que seguem com selos bonitos a mostrar que aqui é que há esperança. Mas não há esplanadas nem bicas ao final da tarde. Leio muito, escrevo muito, aprendo muito, mas não chega. Num lugar tão distinto a etiqueta de MADE IN que nos distingue, trespassa a um novo tipo de intolerância: a intelectual. O acto de comprar bilhetes de avião divide-se entre a contagem dos dias que antecedem a ida e os que antecedem a volta, e em nenhum dos dois existe reconforto. Voltar para um lado ou para o outro significa abandono, entre a vida que está lá e a que está cá, ou o inverso. De repente uma e outra já não existem uma sem a outra, mas subdividem-se em pequenas categorizações; comportamentos sociais intolerados num sítio e tolerados no outro, e ao fim do dia uma grande dor de cabeça por ter de memorizar tantas regras. Mas a infelicidade está em chegar a casa e não haver o cheiro do jantar em preparação, de não se pôr a mesa, de não haver discussões sobre o telejornal. E ainda quando se chega a casa e alguém do quarto ao lado está a cozinhar o seu jantar, e vá lá que exista o cheiro a comida estrangeira, que nos perguntem como foi o dia, e que entre o corredor e a cozinha existam três dedinhos de conversa, quando vamos ao Skype estão lá menos 3 pessoas com quem falar, com quem explicar a trivialidade do que cozinhou o colega do quarto ao lado para o jantar dele,e assumir que comemos ovos porque não dá para mais, porque está escuro desde as três da tarde, o quarto é frio, e o café é mau, mas que há esperança porque os postais, afinal, são bonitos.

20.10.14

Tenho um poster com a ponte de São Francisco na parede, que é quase a mesma coisa que ter a ponte de Lisboa ao fundo da janela. Só que não. Podia ter um poster com a ponte de Lisboa na parede, mas ter a de São Francisco, dói-me menos. Um dia atravessarei esta ponte, mas em tempo real. Lembrar-me-ei então que me disseste não olhes para trás! Mas vou olhar, oh, ainda muitas vezes. As lembranças hão-de me acompanhar avozinha, hei-de sempre olhar para trás. Abro o frigorífico e penso que aquele é o último frasco de doce de tomate que fizeste, que me fizeste naquela manhã, contra tudo e contra todos, só para me alimentares este desejo. Obrigada. Nunca ninguém há de fazer outro doce de tomate como este, eu só gosto do teu, disse-te. É verdade, só gosto do teu. Depois deste, não há outro, jamais. Como já não há outras migas, outros cafés, outras torradas. Há coisas que são exclusivas, e este é o último frasco de doce de tomate. Estarás em paz? Gosto muito de ti, grito mas não ouves. Será que ouviste antes? Naquele dia, quando te pintei as unhas, o verniz chama-se final feliz, terás finalmente encontrado o teu? Não consegui mais. Houve muitas conversas por ter, houve muitas histórias que permaneceram, e permanecerão agora, só contigo. Não te apoquentes, te-las-hemos um dia. Sei que não consegui elevar-me à altura das tuas expectativas, eram grandes. A vida às vezes corre mais devagar do que pensamos, às vezes, mais depressa. Levaram-te sem tempo de te mostrar a cidade, sem tempo de voltar no natal com os chás que encontrei numa loja antiga, sem tempo de te dizer que já fui tomar cafés com amigos. Levaram-te sem tempo de eu ter tido tempo de te dizer que sim senhora, um dia caso-me, um dia tenho filhos, um dia terás bisnetos, um dia até eu serei avó. Levaram-te eu não tive tempo de organizar a vida como querias, como me dizias, arranjei o carro, mas não tivemos tempo de passear. Gosto muito de ti, avozinha. Quando voltar já não estás, quando voltar já não te levo os chás, nem os chocolates (que comias às escondidas), nem os postais... Quando voltar já não te posso levar nada, nem te posso levar a lado nenhum, mas olha, sabe que te levo aqui, aqui comigo, à beira desta cama como à beira desta vida, ninguém fará melhor doce de tomate do que tu. Gosto muito de ti avozinha. Agora vai, olha-nos de cima, e sorri, nós vamos conseguir, sorrirei de volta. Adeus, até logo. 

9.3.14

Comprei lençóis da cor do mar, um azul turquesa profundo. Da cor dum mar que só existe na minha cabeça. Nenhum mar é azul turquesa profundo, mas na minha cama é, na minha cama tenho o mar que tenho na minha cabeça, e assim, estou mais perto de casa, duma casa que me é familiar, mas que não é minha, nem é para onde quero ir, neste momento, nem no próximo. Pertenço à geração do abandono, à que não tem casas, à que são sabe o que é nem para onde vai, pertenço à geração da apatia, da nostalgia, dos adeus, das aventuras-sem-fim que parecem amaldiçoadas; pertenço à geração das relações por Skype, a muitos kilometros de distância.  Comprei lençóis da cor do mar, porque assim quando me deito, penso que sou infinita, no mar que é a minha cama, onde sonho e viajo sem fim. Na cama onde a minha geração e eu, temos propósitos, temos sonhos, e temos destinos. Não nos abandonamos, não somos vagabundos de nós, nem amamos aos bocados. Comprei lençóis da cor do mar, que não tenho, porque estou longe do meu país, no país de alguém que está longe daqui. Ambos mendigos de um propósito que não leva a lado nenhum. Comprei lençóis cor do mar, para viver nesta casa estrangeira que não é minha, onde construo memórias estrangeiras um dia e outro, com a outra que também tenta ser tão feliz quanto eu, mas no quarto ao lado, e num universo paralelo. E seremos eternamente estranhas a dividir o mesmo espaço, nesta vida que nos obriga a amizades forçadas por circunstâncias da vida, mas que rapidamente nos faz tornar partes essenciais uns dos outros, raios parta à empatia. Comprei lençóis da cor do mar, um azul turquesa profundo, porque quando me deitar, me quero esquecer que o abismo no meu coração, é tão grande como a profundidade do mar que não tenho em mim. Somos ambos infinitos.