1.6.11

Crónicas de Cov #4


Em casa de estudantes está sempre o fogão sujo, dê lá por onde der, não há nada a fazer. Cá em casa somos quarto: eu, Portuguesa, a L., Francesa de Paris, a J., Alemã, e por último (sobre a qual ainda não consegui escrever nada, minha grande companheira e amiga internacional) a M., Francesa. Duas francesas, sendo uma de Paris, e uma alemã, consegue ser pior que a feira da ladra ao Sábado de manhã, e não se iludam que the door 59 é bem fixe mas às vezes (também) corre mal. No entanto as queixas não me são muito grandes, com a Alemã sempre preocupada com as limpezas, a Francesa de Paris sempre a ser mete-nojo com o esfregão (sujo) da loiça e a lavar os pratos com luvas cor-de-rosa de borracha, sobramos eu e a Francesa que somos um tanto ou quando de luas, ora está tudo limpo numa hora (quando há que estudar) ora há dias que não sobram pratos limpos devido à pilha de pratos sujos que se forma no lavatório. E à parte disto ainda consegue haver no entanto dias bastante críticos cá em casa e, isto sabe-se quando por exemplo o frigorífico está vazio, tão vazio, que ninguém janta ou, mete a panela com água para fazer, por exemplo, massa. Não se vê nesses dias, viv'alma na cozinha ou sala em geral. Come-se iogurtes e bebe-se chá, ninguém fala com ninguém move-se o corpo escada acima e escada abaixo e espera-se que o trabalho acabe depressa para haver tempo de ir ao supermercado ali a dois quilómetros. Sol também pouco temos e por isso, às vezes calha estarmos três ou muito esporadicamente, quatro na sala a fazer conversa, lá nos sentamos nos sofás vergonhosamente navy blue que temos a imitar veludo ou o raio'que'parta, e maldizemos tudo o que há para maldizer aqui ou acolá, falamos mal até nos fartarmos e depois rimos dos argumentos dados por cada uma, olhando umas para as outras e vemos que não há mesmo escape, é engraçado. Cá em casa parece que vivemos no fuso horário de cada um dos nossos respectivos países e isso nota-se bastante à hora de jantar. Nunca jantamos no mesmo timming, porquê não sei, mas cá me parece que andamos desordenadas com o espírito inglês. A Alemã, miúda porreira, janta sempre e todos os dias, imaculávelmente ao bater das cinco horas. Houve um dia que a apanhei a jantar às sete, perguntei-lhe logo o que que tinha acontecido. E o mal nem é nenhum, se ela até jantasse coisas normais, mas faz-me cá umas misturas que até se me vêem as lágrimas aos olhos, mas não lhe digo nada, respeito-lhe bastante os gostos, e ela é mesmo porreira! Já a Francesa de Paris, mais valia ter nascido na Ásia, escanzeladita e com a mania das finuras mas só come rebentos de soja e sopas chinesas com pacotes estranhos demais para o meu entendimento, nunca a vi cozinhar, mas vejo-a sempre tentar "inventar" comidas tanto ou quanto afrodisias, não resulta. E depois se ainda lavasse a loiça como deve ser era na boa, mas com a pele delicada não pode entrar muito em contacto com a água quente. A modos que é assim. A Francesa é uma coisa por demais, adoro a miúda, mas só me come couscous e tomates com azeite balsâmico. Anda sempre, pobre rapariga, com problemas de estômago pelo que não pode ir muito mais além do que os básicos, massas, arroz, e couscous, alguns vegetais e pouco mais do que isso. Mas a miúda é uma jóia, acho que dela só terei boas recordações, é uma irmandade que temos tanto ou quanto invejável. Nos primeiros meses cá em casa assustava-me muitas vezes, com tanta parede falsa de contraplacado, qualquer ruído se faz ouvir, quando vinha o carteiro, gentil senhor, entregar as cartas dos respectivos namorados da Alemã e da Francesa de Paris, caia o Carmo e a Trindade, e só não me caia o tecto na cabeça porque tive sorte, de um histericismo jamais visto, e atente que os gritos franceses são pouco irritantes sim, a Alemã falava sozinha, e a Francesa de Paris saltava. Era coisa que só vista. Agora já não se vê nada disto, não sei que é feito dos namorados, nem do carteiro em si, mas só temos recebido compras online que vamos fazendo (por preguiça de sair de casa?), e assim se vive em Mount Street... Hoje até é um daqueles dias que o fogão está impecável, e a loiça lavada, estamos todas de preparação para os exames, pelo que dá para perceber, é pelo mesmo motivo que ando aqui a escrever no blogue, devia estar a estudar, a Francesa está mesmo ali à minha frente a ler documentos no Word, ou se calhar está é no Facebook a ver se me engana... Olha e acaba de chegar a R., Italiana, vem juntar-se a nós na maratona cinematográfica, paro então o relato, e junto-me ao estudo, com o meu Neo-Realismo italiano, olha e calha bem (risos)...

2 comentários:

  1. porra inês! escreve lá mais texto assim, que amei ler este. a alemã parece-me fria, e as francesas meio esquesitas, e tu pareces-me uma algarvia super prática e desenrascada. eu gosto, gosto muito. vocês as quatro parecem tão diferentes. olha que bonito livro que isso dava :) eu gosto muito. escreve mais destes, que eu gosto muito.

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  2. a andorinha disse o que eu vinha cá dizer :o

    mas reforço, acho que estas tuas crónicas mais as que vêm a seguir eram dignas de publicação. escreve, vais escrevendo e tenta algumas editoras, porque está muito com cheirinho a livro. :)

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