21.8.11

à minha maneira, amo-te tanto.

para mim, não funciona escrever os títulos antes dos textos. dá-me impressão. parece que antes de escrever tenho já de ter uma ideia ligada ao titulo que a antecede. essas coisas, comigo, não funcionam. a ideia do «para sempre» também não funciona. é um contradição estúpida. o para sempre, é idiota. A minha bisavó tem quase 100 anos (noventa e seis), quando era pequena já era a minha avó velhota, hoje em dia, já é mais que isso. os quase 100 anos da minha bizavó são algo que me transcendem, não consigo sequer imaginar como é possível viver tanto, ver um mundo e uma sociedade a mudar tanto, e as coisas a sofrerem todos os dias mutações. imagino as contradições que irão na cabeça da minha bizavó, nascida, penso, nos anos vinte, chegar agora aos anos dez do outro século. passar por toda uma vida, de trabalho árduo, e chegar à fase de já não trabalhar, nem ver coisas, nem dizer coisas, nem contar histórias, mas anuir-se naquele passar de tempo num lar, sentada no sofá castanho de cabedal, esperando esta ou aquela visita. compreendo isto, mas magoa-me já não me reconhecer a cara, os olhos que são iguais aos dela, ou já não me contar histórias do meu pai em pequeno a fazer asneiras. Sou sim, sensível a este passar de vida, todo este passar de vida, que a minha avó enfrentou, não consigo sequer imaginar o trabalho do campo no pleno calor de Agosto do meu Algarve quente, que a minha bisavó enfrentou durante uma vida. Sou-lhe sensível, e orgulho-me dessa mulher que se tornou, enquanto me magoa vê-la já assim, ao abandono da vida. Hoje alguém me disse que as coisas não iam muito bem. As coisas não irem muito bem, significa apenas uma coisa; está para breve. As coisas até estavam a ir bem, embora já não me conhecesse os traços, embora já não me contasse histórias, embora já não conservasse os dentes impecavelmente brancos, completos e direitos que conservou até há bem pouco tempo atrás, embora isso tudo, as coisas até iam bem. Agora, hoje, em particular, parece que já não vão bem. Agonia-me um pouco ver outra das mulheres que me educou acabar-se assim, assim, desta forma. Há qualquer coisa que ainda bate, ainda existe sangue nas veias, ainda existem lágrimas nos olhos, ainda existe aquele sorriso agora desdentado, ainda existem umas mãos delicadas cheias de rugas, ainda existe o corpo, e uns olhos que viram muita coisa. E depois?! Quando deixar de ter motivo para ir àquele lar, ver a minha bisavó? E quando já não houver bisavó sentada nos sofás castanhos de cabedal, quando já não houver aqueles olhos claros a olharem para mim cheios de lágrimas ilustrados por aquele sorriso sem dentes, e as mãos com rugas a fazerem-me festinhas na cabeça? - Claro que não pode ser «para sempre», mas pode ser só mais um bocado? - Porque ir assim, uma das mulheres que me ensinou o mundo, assim, só porque o «para sempre» não existe e a vida também se finda, não, não (me) faz sentido, e faz doer, aqui dentro.

1 comentário:

  1. como te compreendo! a minha avó também tem 81 anos e é uma das pessoas mais importantes da minha vida, tenho imenso orgulho nela! também me custa vê-la ficar incapacitada e tenho a certeza que ainda lhe custa mais a ela. mas, sempre que posso, mostro-lhe que ainda tem valor e obrigo-a a contar-me as histórias dela, mesmo que já as saiba de cor e salteado de tantas vezes as ouvir, porque sei que ainda é das poucas coisas que lhe dá prazer e que lhe faz brilhar os olhos.

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