23.10.13

Amanhã quando acordar, vou beber o café com leite que me sabe ao Algarve da infância. Aquele Algarve que já morreu com o passar dos dias, e que talvez, por breves momentos conseguirei encontrar de novo no primeiro café com leite da manhã, como encontrei em muitas manhãs na casa velha, branca e azul, onde dormi e fui feliz. Amanhã quando eu acordar, e quando o dia nascer, e o mundo se abrir para mais uma alvorada, virão as memórias de um Algarve que já não tenho, de um café de cevada fervido num fogão de lenha que já não existe, por uma avó que já morreu. Amanhã, quando acordar e me levantar e olhar sobre a janela deste prédio para a cidade que é Lisboa, onde ando a viver há já muitos dias, vou-me lembrar que estas memórias de uma avó que fazia café de cevada numa cafeteira de alumínio amassada na cozinha de pedra da casa velha, já estão velhas, como a avó estaria se vivesse, como a cafeteira era, como a cozinha é. Amanhã quando acordar e beber o café com leite que me sabe ao Algarve já velho, vou-me lembrar que o café com leite não sabe a Algarve nenhum, nem vai saber a nada que me recorde o passado. Amanhã quando acordar vou-me apenas lembrar que me quero agarrar à lembrança de uns sabores que já não tenho, de umas memórias que se vão esfumando na cabeça, de uma vida que já me parece outra vida. Amanhã quando acordar, vou-me lembrar que não me quero esquecer, nunca, nem deste Algarve que vivi, nem desta casa velha, nem deste café negro, cheio de borras, fervido numa cafeteira de alumínio por uma avó que seria hoje velha, como as coisas todas, mas a quem eu iria abraçar tanto e dizer tantas vezes que era o meu mundo e que não morresse nunca, porque eu queria que fosse infinita para sempre... E todos os dias bebo café, na esperança que algum deles me saiba a alguma coisa perdida lá atrás, mas nenhum deles está ao alcance do que perdi, nenhum deles tem nunca o mesmo sabor de outrora.

Sem comentários:

Enviar um comentário