Ursos Pardos

Não arrumei o quarto. Se morrer neste instante e alguém me encontrar a perder a vida em cima da cama onde estou, vai entrar aqui e vai ver parte da minha desorganização. A minha roupa, espalha-se pelo chão, pela mesa, pela cadeira, pelo tapete, pelas gavetas, e os sapatos num canto e noutro e noutro. Se alguém entrar neste quarto, verá que tenho muita roupa perdida por ai, a findar-se com o destino, a perder a cor e a forma. Em cima da mesa tenho livros, não por gostar de ter livros em cima da mesa mas por eles não caberem em mais sítio nenhum. Estou cheia de coisas, cheia de coisas até à exaustão e isto torna-me exaustiva. Se eu morresse agora ninguém dava pelo fim da minha existência, talvez na segunda-feira, porque ao fim de semana fica mal morrer alguém. Pendurei os lenços no candeeiro, não tinha mais sítio para os pendurar. E se alguém entrar aqui vai julgar-me pela forma como arrumo as coisas. Se alguém chegar aqui vai saltar em cima da cama onde eu morri, e esta vai ficar desfeita, não porque eu lhe morri em cima e o meu espírito lhe prende as formas, mas porque a colcha cairá no chão. Este quarto, foi o quarto onde eu morri sem saber que morria. Este quarto é o quarto onde eu morro cada vez que me deito e morro cada vez que me levanto, este quarto é a minha decadência e a minha decadência sou eu. E estas cortinas cor-de-laranja metem-me as entranhas de fora, eu não gosto de cor-de-laranja. E se eu morresse agora, morria infeliz, pois nunca ninguém me perguntou quais as cortinas que eu gostava...