11.2.11

eu era pequena, e lembro-me de ir muitas vezes à casa da Ti Lucrécia comer Migas e beber café. lembro-me bem. ela fazia-me migas, como mais ninguém fazia, a seguir à minha avó, e eu gostava tanto daquilo. a Ti Lucrécia era uma pessoa pequena por natureza, e eu lembro-me que à medida que fui crescendo, fui ficando maior que a Ti Lucrécia, ela dizia-me, tens de crescer mais para ficares maior que eu. E eu gostava quando ela me dizia isso. Fui crescendo, e de facto fiquei maior que ela. Depois quando mudei de casa, já não ia comer as migas da Ti Lucrécia, mas quando voltava lá, aquele sítio, pegava na bicicleta e a paragem à da Ti Lucrécia era certa. Uma vez ela fez-me uma almofada com retalhos de tecidos e deu-me, nunca mais me esqueci, foi um gesto que guardei para sempre, depois a Ti Lucrécia, deixou de fazer costura, porque deixou de ver, como via antigamente, e nunca mais fez nada. Com o tempo, passei a ver somente a Ti Lucrécia de tempos em tempos, mas cada vez que a via lá me recebia ela com aquele grande sorriso, sem dentes, que tem, e dizia-me sempre, olha vieste ver os velhos! - eu dizia, claro, os velhos são importantes Ti Lucrécia, e ela sorria, e dizia-me, agente já tinha saudades tuas. Depois perguntava-me, então, quando é que queres que te faça as migas?! e eu respondia sempre, amanhã! - Quando o sol se começava a por eu dizia que me tinha de ir embora porque não tinha luz na bicicleta ao que ela me respondia sempre, cautela, vê lá não te mates pela estrada adiante. E eu não me matava, e gostava sempre de voltar para lhe perguntar pelas migas, e para lhe ouvir dizer que os velhos continuavam ali, velhos, como sempre. Este verão, antes de me vir embora fui à da Ti Lucrécia despedir-me, e disse-lhe, Ti Lucrécia, olhe agora vai estar um bocado sem me ver. E ela respondeu, atão? p'ra'onde vais?! Eu disse que ia para a Inglaterra, estudar, ao que ela acenou com a cabeça com um sorriso e respondeu, Ah bom, também na'aparas quieta nunca, parece que tens bichos carpinteiros. Eu não sei se a Ti Lucrécia sabe onde é a Inglaterra, mas sabe que é longe, e eu eu só volto no verão. A Ti Lucrécia, conhece-me desde que nasci, foi colega de escola da minha Bisavó, e tem já perto de 100 anos, a Ti Lucrécia deve ser uma das pessoas mais velhas que conheço, e que continua a beber todas as manhãs o seu café de cevada, e a ir à horta e a fazer migas. Hoje o meu pai disse-me, Vi a Ti Lucrécia hoje, perguntou-me por ti, disse-me quando é que voltavas para te fazer as migas.
E eu fiquei com as lágrimas nos olhos.

5 comentários:

  1. Ai que coisa mais linda. Que amor de texto. Tão lindo. Claro que fiquei de lágrima no olho, que lindo, lindo, lindo. :')

    ps: gosto e concordo com o ' também na'aparas quieta nunca, parece que tens bichos carpinteiros. ' ;)

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  2. que doçura, que doçura (':

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  3. já te disse que escreves muito bem?:)

    consegues transmitir sentimentos através da tua escrita e isso não é fácil!

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  4. "Hoje o meu pai disse-me, Vi a Ti Lucrécia hoje, perguntou-me por ti, disse-me quando é que voltavas para te fazer as migas."

    Adorei.

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  5. que lindo adorei. Tu escreves incrivelmente bem! :)

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