3.3.11

se gostas de escrever, o que que estás a fazer em teatro? o quê que estás a fazer aí, suportando coisas que não suportas, vendo pessoas que não queres ver porque te são rudes. se gostas de escrever porque vives em inglês, longe da cidade que mais amas, em troca de nadas? se gostas de escrever porquê que não escreves? e porquê que não te escreves até na alma, até nos dias, até no tempo? se gostas de escrever, porquê que foges? porquê que fugiste dos outros, de todos os outros que também não suportavas, porque te eram rudes e não entendiam o teu espírito, porque fugiste até das coisas que mais amavas, da tua cidade, que nunca foi tua, do teu lenço, do teu português orgulhoso. se gostas de escrever, porquê que nunca mais te sentaste à esplanada, ou à janela, do alto do teu café largo que bebias em largos solvos, onde te dissipavas até ao teu último esplendor. Se gostas de escrever, porquê que fugiste, porquê que foges sempre, e nunca arranjas lugar firme, e uno, e completo para ficar? porquê que nunca ficas, porquê que nunca és inteira em nenhuma parte tua, porquê que te abandonas sempre, e foges, e nunca gritas, porquê que nunca gritas? se gostas de escrever o que que estás aí a fazer, aí onde já nem sequer escreves, porque o tempo te mata, e te mata tanto, e te proíbe e te coíbe de seres, de seres tu, tanto tu, sempre tu por inteiro. e porquê que já não o és, sequer, tu, tu mesma, sequer partes desse teu eu, porquê, se gostas de escrever. se gostas, porquê que suportas tudo isso, num mundo que nunca te há de valorar, e porquê que os teus olhos já não brilham, e já não tens paixões, as paixões que te moviam, e te moviam tanto, e agora já não te movem. se gostas de escrever, porque não sonhas já, e não sonhas já com nada, nem com nadas, e já nem sequer escreves, nem sequer nada, nessa tua lonjura falhada, nesse teu desejo desmedido de viver e se viver é isso, porquê não escreves tu? porquê que te acabaste por te acabar assim, assim, sem mais nem menos, que te aconteceu, que te aconteceu nestes anos? se gostas de escrever, porquê que sempre te achaste falhada, incapaz, inútil, e porquê que conquistaste já tantas coisas, tantas coisas que sequer sabias conquistadas, e porque as deixaste ir depois? se gostas de escrever porquê que estás aí, aí com o resto dos sonhos na cabeça, e porquê que nunca investiste na costura, sim na costura se era aquilo que mais querias depois de escrever? e porquê que já não fazes sequer vestidos, e já não és nada. porquê que perdeste os pontos, e os pontos que te perderam a ti, e porquê que já não és nada do que queres, se gostas de escrever porque enfrentas os palcos onde nunca te poisaste, a medo, sempre a medo. se gostas de escrever porquê que continuas investindo nessa virtude que não tens, porque não tens, porque sabes que tudo é farsa, como tu és farsa, de ti mesma, se gostas de escrever...

2 comentários:

  1. Inês Maria. eu li todo o teu comentário a pensar quem era aquela criatura que me tinha escrito tão grande mar em palavras. sabes bem que concordo contigo e até me admiro que me perguntes quem é a criatura em que estou interessada. porque não estou. não consigo interessar-me. devo confessar-te que tenho bastante vontade de brincar aos cowboys mas não consigo ir além disso. por muito que por vezes sinta falta do conforto que é ter alguém (nos bons momentos). esta é só uma criatura que fez isso mesmo: meteu conversa. mas no meio disso, fiquei parva quando do nada já me estava a justificar todo os segundos em que não estava a falar comigo. e eu a pensar: 'e depois? o que é que eu tenho a ver com o que vais fazer? '
    e pronto.
    e a mim parece-me que se passeia por ti mais um crash, mais um pé no buraco. que é isso que te vai na alma e que tantas vezes te tem levado a alegria enquanto aí te encontras?

    « se gostas de escrever, porquê que fugiste, porquê que foges sempre, e nunca arranjas lugar firme, e uno, e completo para ficar? porquê que nunca ficas, porquê que nunca és inteira em nenhuma parte tua, porquê que te abandonas sempre, e foges, e nunca gritas, porquê que nunca gritas? » é. acho que é defeito dos peixes

    ResponderEliminar
  2. falaremos então depois que o domingo já aí se avizinha. também tu vens em boa hora porque lá está, há muito mais veracidade nisto dos signos do que aquilo que imaginamos.

    ResponderEliminar