31.7.11

"Já fui a Paris" poderia ser um bom começo - para qualquer coisa. Um título qualquer, para um livro sobre viagens, um filme sobre o(s) amore(s), uma crónica na revista cosmopolita da cidade grande, uma mensagem num post-it amarelo colado ao frigorífico na cozinha, ou uma frase riscada na lista das coisas por fazer. "Já fui a Paris" como quem vai ali à esquina comprar tabaco, como quem foi ao supermercado fazer as compras do mês, como quem tomou café hoje de manhã. Como quem já fez alguma coisa. Eu, já fui a Paris. Verdade. Também já fui a Lagos, e ao Elevador da Glória, e à casa da vizinha do lado pedir coentros. "Já fui a Paris" pode ser já ter ido a todo o lado que não Paris propriamente, e voltar. Paris, é, neste caso, subjectivo.
Eu já fui a Paris, na Inglaterra, já até vivi lá durante um certo tempo e, já estudei lá em inglês, já vi as cidades à volta, e falei com pessoas de lá, já fiz, também, lá amigos, uns melhores, outros piores e, já me ri e chorei e desatinei, e voltei a rir. Ficar alegre e triste mediante as intempéries sociais e psicológicas, e depois esquecer isto e ir fazer o jantar no fogão branco dos anos oitenta lá na cozinha. Também andei lá de bicicleta-táxi e comprei as coisas mais estúpidas. Também conheci o melhor motorista de autocarros do mundo, e disse-lhe olá. Eu, já fui a Paris, e já lá vi filmes e gostei de coisas e de pessoas, e depois já me senti triste por os filmes terem acabado e as pessoas terem ido embora, porque eu depois me fui embora, para Paris.
Eu, já fui a Paris, na França, e já lá me roubaram coisas, e conheci os artistas mais originais, e vi performances, e comi bolos franceses, e dormi num sótão de uma casa francesa, e vi que as baguetes acontecem, como acontece irmos ali beber a bica. Já fui a Paris, fazer coisas de franceses, e andar em sítios para turistas, já tirei lá fotografias, e já filmei lá coisas, e já escrevi de lá. Já fui as compras e comi no árabe francês.
Eu, Já fui a Paris, em Portugal, ver peças no D. Maria II, e tocar guitarra no Tejo Bar. Já fui à Casa dos Frades ver a Catarina abrir a goela e encantar as almas. Já fui a Paris, comer ali no Café Gelo, o melhor pão com chouriço de Lisboa, e de caminho passei pela Ginjinha, e acabei a noite na Crewhassan. Já fui a Paris, ali na Faculdade de Letras, ter aulas no auditório II e ler as grandes obras clássicas muito aclamadas que poucos ou nenhuns compreendem. Eu, Já fui a Paris, passear pela Baixa e descobrir as mais fantásticas coisas pouco visíveis aos que passam com pressa em direcção ao metro.
Eu, Já fui a Paris, ali no resto do mundo, com a mochila às costas, e as jarreteiras vermelhas. Subi e desci montanhas, que podiam tanto ser a Serra da Estrela como os Alpes suíços. Já fui a Paris, e fiz fogueiras no Barão de S. João, onde encenei peças e promovi o guarda-roupa. Já subi a parte francesa de Pampilhosa-da-serra onde me deram fruta com a pronúncia do norte no forte calor de Agosto.
Eu, Já fui a Paris, como quem vai e volta, e volta sempre, e torna a ir. Porque os que descobriram o mundo, também foram a Paris, e perderam-se em Paris, e tornaram a vir. Como as músicas populares que falam sempre numa certa esperança da volta. Eu, já fui a Paris, na França, e a Paris na Inglaterra, e depois voltei, pois não há Paris como Lisboa.

Sem comentários:

Enviar um comentário