16.8.11

Da terra da rainha trouxe comigo...

... as piores recordações e, algumas roupas novas para o armário.

De Inglaterra trago as piores recordações. É verdade. Será pecado dizer isto?! Ofender as almas dos amantes daquele país frio, morto, e sem paixão? - Não sei. Mas tenho-o bem acente cá dentro. Um sentimento de recusa que não posso negar. Nem poderia, pois todos os dias ele faz questão de me assolar o mais recôndito das entranhas. Serei então uma usurpadora, não mereço o ar que respiro, porque simplesmente o el dourado de tantos corpos, a mim não foi mais que um brilho apagado feito em cinzas, como o céu cinzento que pairava na minha cabeça (quase) todos os dias?
Vem-me o cheiro de Inglaterra à cabeça, e essa memória dá-me náuseas, oiço a pronúncia britânica falada nas ruas e esse som dá-me nojo, mas o pior, o pior é olhar para trás e recordar todas aquelas caras brancas com sorrisos cínicos a chamarem-me o meu nome, e isso sim, é um pesadelo que me tira o sono. Estou traumatizad(íssim)a. E não saberei se algum dia vou combater este pesadelo. Inglaterra fez-me mal, um mal medonho, um mal asqueroso, um mal desumado. Inglaterra arruinou-me, o espírito, a alegria, os sonhos.

Há quase um ano. Verdade, há quase um ano, ia Setembro no fim, eu no fim de Setembro vejo-me num mundo novo. E agora desemerda-te - primo muito pelos meus antepassados, verdade. Quais conquistadores dos sete mares, corajosos, que se envergavam nas piores aventuras para orgulhar a pátria, portugueses, claro. Sangue do meu sangue, do vosso sangue, do nosso. Conquistadores, maus, nobres e vis. Mas com honra no espírito e empenho no corpo. Vale-me hoje o bem de saber-me portuguesa, e, independentemente de toda a conjura falsificadora e falsificada, dos nossos dias, orgulho-me de o ser, portuguesa, digo - Ora eu, pobre criatura ingénua, achava-me no mundo dos mundos (tivesse sido mais espera e tinha-os topado logo, quando roubaram o culto do chá à princesa portuguesa que se casou na Inglaterra, a quem essa sim, se devia dever todo o poderio do chá, que os cabrões furtaram como deles, falsos), e bem que engoli os sapinhos, todos, um por um, amargos, azedos, ruins. E bem que me intoxicaram, tanto, que espero nunca mais lá voltar. Nem para as compras que é ainda o que há de positivo naquele país. Voltar a Inglaterra depois deste fracasso de ano, só com uma faca apontada ao pescoço. Lamento imenso e perdoai-me os apaixonados, mas não há pátria como a minha, portuguesa claro. (e não, não sou nenhuma emigrante com a t-shirt da selecção que vem cá passar férias e volta ao estrangeiro, eu sou portuguesa, do portugal sujo, do das ruas podres, dos drogados a pedirem dinheiro na rua, dos putos bêbados no bairro, dos músicos com as guitarras, dos fadistas de alfama, dos cineastas que não ganham para mandar cantar um cego e cujos filmes nunca saiem dos bares incógnitos que passam curtas à noite, dos estudantes com as capas pretas, das minhas praias do algarve, das casas brancas com chaminé, da Casa, dos artistas, dos cafés, da poesia, das obras, do teatro, do Pessoa e dos versos dele e de Lisboa e do Algarve. Sim, eu tenho o amor de ter nascido portuguesa, de amar os poetas que não foram do meu tempo, e as tertúlias que faziam, sim, sou portuguesa, deste portugal miserável que ninguém ama, este portugal apodrecido há centenas de décadas que nunca ninguém arranja, nem sabem. Sim, eu sou portuguesa do portugal feio, que é lindo e me é lindo, e não o poderia ser mais. Eu sou portuguesa na alma, nos olhos, nas mãos, e, se tiver sorte, não voltarei à Inglaterra nunca mais).

- E ainda assim, falar destes sentimentos trágicos é uma guerra perdida, saberiam se o tivessem vivido, como eu, na mesma situação, nos mesmos dias, encarando as mesmas coisas, vendo Inglaterra com os meus olhos e não com outros. Acredito que sim, falar de Inglaterra assim, aos outros olhos que se encantam e brilham, e brilham tanto, sim, não há-de fazer sentido nenhum.

1 comentário:

  1. tu foi Inglaterra, outros foram Alemanha e certamente haverá muitos outros que caíram por terra. eles e as suas expectativas. mas casa é onde nos sentimos bem. e tu fugiste da tua por motivos do coração. eu também já fugi para as terras da rainha, noutros tempos e durante menos tempo - matters of the heart. e ela acolheu-me lindamente. mas o amanhã não é mais do que um dia no calendário. que sabemos nós sobre o que há-de vir? que sabemos nós sobre nós próprios no amanhã que ainda não veio. esquece Inglaterra assim como eu não dou mais importância aos anos que passei no Alentejo e agora no Algarve. aprendi as lições e fechei os livros. não vou perder mais tempo a olha-los. há uma vida para viver e (tantos) outros sítios para vivenciar.
    quem sabe, não voltaria eu hoje a Inglaterra e tentaria meter-me no primeiro avião de volta para cá mal pudesse? eu não sei de nada, que sabes tu?
    sabiamente, bento de jesus caraça uma vez disse:
    « se não receio o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo » e além disso, triste não é voltar para trás a meio da caminhada, é nunca ter sequer caminhado. e tu tentaste. e conseguiste. desististe? não. chegaste ao fim e como dizes, aqui estás tu e sobreviveste. porque nós (sempre) sobrevive(re)mos.

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