10.10.11

«Nunca deixes de escrever» - oiço-os dizer centenas de vezes - nunca deixes de escrever como se as palavras fossem finitas, como se não fizessem parte do meu oxigénio; um oxigénio que não sendo o que respiro é o que me faz viver. «Nunca deixes de escrever» como se me fosse possível deixar de o fazer, como se me fosse possível, ainda que quisesse, deixar de escrever! «Nunca deixes de escrever» dizem-me com olhos esperançosos, com sorrisos nos lábios, com sangue quente nas veias, esperando de mim coisas que nem sequer eu espero; obras, quiçá, fabulosas, palavras quiçá fenomenais, inspirações quiçá invencíveis. «Nunca deixes de escrever» dizem-me quase sempre. Não sabendo sequer quais as mágoas e os males estares e as dores e as angústias que me levam à escrita. Sem saberem quais as tragédias do meu viver e da minha cabeça. Sem me conhecerem o dentro, pensando que me conhecem o fora quando me dizem «nunca deixes de escrever». Sem saberem que me sofro e que as minhas palavras são repletas de um vazio oscuro. Sem saberem que choro e as minhas palavras são um poço de desesperos constantes, de um coração inquieto, de uma cabeça desordenada sempre em constante exaltação. E depois dizem-me para nunca deixar de escrever, esperando de mim as coisas mais extraordinárias, acreditando que daqui, das minhas palavras, sairão quiçá frutos, quiçá os melhores, quiçá inesquecíveis. E eu, rio-me perante isto. Rio-me quando me dizem «nunca deixes de escrever». Rio-me, porque não sabem que me falho constantemente, rio-me porque me pensam deveras capaz de escrever coisas, sobre coisas, não sabendo que sou somente uma máscara do meu próprio desassossego. Não sabendo que as noites as passo em claro com o medo a assombrar-me a porta, não sabendo que tenho medo de dormir porque tenho medo de pensar. Não sabendo disto dizem-me sempre «nunca deixes de escrever» e eu rio-me sempre e digo-lhes a sorrir para descansarem as almas felizes. Não deixarei de escrever, mesmo que queira, a mágoa da escrita é muito mais pesada que a felicidade do triunfo, não, não deixarei de escrever, nem me tornarei nenhum Pessoa do meu tempo, nenhum Torga do tempo dele, nenhum Almada, nenhum Peixoto, não me tornarei nada, mas não, digo-lhes a sorrir com olhos tristes, aos que ainda têm esperança, não deixarei de escrever...

1 comentário:

  1. sabes que este texto transpirei-o por todos os poros num ainda assim calafrio, não sabes? porque é-o assim, esse fado da escrita. não é escolha não é talento. é um expelir de coração, raiva ou razão. é como se fossemos panelas de pressão a girar e o vapor assentasse no papel. são letras à pressão, esvaziares fruto de acumulação. são tentativas de respirar fundo, pesado. à superfície levemente.

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