12.11.11

Tempo do Tempo

Eu não sou do tempo em que os senhores abrem a porta para as senhoras passarem. Não sou do tempo em que os senhores se vestiam de fato e chapéu alto para irem ao teatro. Não sou do tempo em que os senhores formavam grupos nos cafés e falavam sobre a liberdade e as revoltas independentes. Não sou do tempo em que os senhores cortejavam as senhoras atenciosamente e lhes escreviam cartas, até. Não sou do tempo em que se pensava nas coisas por opressão ao pensamento. Não sou do tempo em que as senhoras aprendiam costura e os senhores iam para a Universidade. Não sou do tempo do espartilho, nem das saias compridas, nem dos bolos ao domingo. Eu, sou de outro tempo. De um tempo cosmopolita, moderno, dizem. Um tempo que tem tudo para dar certo: já não se abrem portas às senhoras pelo contrário, lançam-se todos a ver quem entra primeiro onde quer que seja. Sou de um tempo em que as gravatas e os chapéus ou são em prol do estilo ou denominam uma elite. Sou de um tempo moderno, em que as revoltas são feitas a partir da cama ou do sofá através de um teclado. Sou de um tempo fugaz, em que não se presta atenção a nada nem se escrevem cartas nem se corteja nada, ninguém, coisa nenhuma. Tudo é feito em massa e como tal, se algo não presta compra-se outro. Tudo se compra, nada se possui. Eu, sou de um tempo do futuro, em que os pensamentos nas cabeças de cada um não são unos em nada, acredito, que sou dum tempo do medo; um medo interior, arrasador. Eu, sou de um tempo em que enquanto mulher sou livre de ir à universidade e outras mulheres como eu vão à universidade, é-nos hoje possível este sonho do conhecimento no domínio feminino. Mas são nessas mesmas universidades em que os alunos são apenas meros instrumentos mecânicos, produções em massa irrelevantes para o que quer que seja. Ensinam-nos por velhos métodos, sempre sem verbas que nos aprofundem o conhecimento e sempre com os mesmos contextos. Eu sim, sou de um tempo moderno, este tempo tão moderno que já esqueceu todos os valores possíveis. Onde não se abrem as portas às senhoras para elas passarem mas ao invés, as maltratam e as desrespeitam (porque somos todos iguais?) - há diferenças entre nós - sou de um tempo do mais moderno que há: as mulheres, podem agora usar calças, calções, mini saias e saltos altos. E ainda assim estão mais vazias do que nunca. Não se constrói nada, nem famílias, nem valores, nem paixões às coisas. As pessoas, jogam-se fora umas às outras todos os dias. E embora as mulheres já não usem espartilho, continuo a vê-las ao fogão todas as noites, continuo a vê-las serem mães e a fazerem bolos ao domingo, ainda que usem calças de ganga e saltos altos. São melhores, mais independentes, com mais conhecimentos. Sim talvez, mas os filhos em vez de beijinhos de boa noite, têm jogos de computador e em vez de abraços de bom dia, têm roupa nova. Já ninguém sobe ás árvores e come flores amarelas, porque subir às árvores pode fazer infecções nos joelhos e comer flores amarelas tem micróbios. Eu, sim, vivo num tempo moderno. Posso sair à noite, beber, conversar, dançar, usar mini-saias, calções e saltos altos, posso pintar os lábios de vermelho e beijar quem quiser, mas depois, ninguém me abraça nem me abrem a porta quando quero passar. Eu sim, vivo num tempo moderno, num mundo moderno onde já ninguém sabe o que é gostar, onde todos desaprenderam os valores mais básicos a uma sociedade. E ainda assim, eu que vivo num tempo moderno, se calhar até trocava os saltos altos pelo espartilho se isso me desse mais conforto às emoções... 

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