31.10.12

lisbo.a.mar


Olho para Portugal e vejo um país belo. Ao atravessar a ponte vermelha que une Lisboa ao mundo, não posso deixar de sorrir ao lembrar-me que Lisboa tem de ser vista pelo mar, dizia Pessoa. Olho para esta cidade, tudo à minha volta é belo. Será que poderemos viver completos sem nunca ter visto o por do sol no miradouro de Santa Luzia? Ou ouvir o Tejo a chamar ali ao pé da praça do comércio? Olho para esta cidade e o meu coração é júbilo ao pensar que nunca poderia ter deixado de viver aqui. Quantos como eu já se apaixonaram por isto? Trata-se de um amor grande, impossível. Às vezes acredito que fomos feitas uma para a outra, Lisboa. Fomos feitas uma para a outra como os primeiros amores são feitos uns para os outros, aqueles que de quando em vez acabam arrasados esmagando-se mutuamente.
Olho à minha volta e à minha volta só existiram génios, poetas infelizes que pelas mesmas ruas e ao mesmo passo também vaguearam a alma. Respiro Lisboa, e é um ar puro que respiro, é um ar de poetas, de poesia, de amores, de cabeças sonhadoras controladas pelo trago amargo do vinho tinto bebido directamente da garrafa. 
Olho para esta cidade; olho para as ruas desta cidade e, certas vezes, sinto-me em casa para volta e meia me sentir estrangeira aqui. Lisboa é também casa dos desconhecidos, como eu (?), que não lhes interessa de onde vêm, mas querem acreditar que sabem para onde vão. Eu também quero acreditar que sei para onde vou, quero acreditar que por mim dentro sinto a Europa a chamar ou aquilo que penso ser uma Europa a chamar. Quero acreditar que nessa coisa estrangeira que eu penso ser a Europa, estará escondida em qualquer esquina, aquilo que eu penso ser a felicidade. E essa coisa que eu penso ser a felicidade que creio que existe nessa coisa que é a Europa, que acredito já não conseguir encontrar em Lisboa, a cidade da minha vida. Esta Lisboa pela qual sei que estarei para sempre apaixonada, que é mãe de desconhecidos mas que faz mal às almas vagabundas de si, esta cidade Lisboa, que eu creio ter deixado fugir isso que eu creio que é a felicidade e que lhe terá fugido por uma das esquinas traiçoeiras que esconde.            
Bela cidade, se soubesses como te amo, como acredito que serás minha para sempre, como sinto no peito o teu batimento frenético, como sei que já não aguento viver em ti. Oh Lisboa, porquê que nos gastámos a nós próprias? Porquê que nos amamos até à exaustão e agora não sobra nada? Nem música, nem rio, nem fado, nem vinho, nem nada. Porquê que até mesmo a novidade que crias, não me impede as lágrimas de cair? E sinto a Europa a chamar. Oh Lisboa, onde foi que falhámos, e o nosso amor tornou-se vil, onde foi que nos quisemos matar de tanto que nos amávamos. Oh Lisboa, quero-te matar. Quero-te matar pelo tanto que te amo e amo-te tanto. Oh Lisboa, quero matar este amor, quero que morra, quero que morras, Lisboa. Quero esquecer-me, quero esquecer-me deste amor, de ti, Lisboa, sinto a Europa a chamar. E não te posso levar, não te quero levar, quando for para isso que eu acredito ser a Europa, quando viver nisso que eu acredito ser a felicidade estrangeira, essa que eu acredito que já não tens. Não percebes? Até posso estar enganada, se a vida é feita de enganos, mas não percebes que sinto a Europa a chamar? E se isso que eu acredito que é a Europa me grita todos os dias ao amanhecer, e eu vou ficado cá, em ti? Oh Lisboa, amo-te tanto. Vivo para olhar essa tua beleza poderosa que me entra pelos olhos e me hipnotiza, vivo para ti, mas não percebes que não há mais de ti para viver? Não percebes, Lisboa, que sinto a Europa a chamar? Oh Lisboa, estou farta de ti, dessa tua beleza estúpida, de tão bela que és, desses pôr-do-sol que jamais vi algum igual, que todas as tardes acontecem! Oh Lisboa, vai-te foder, sinto a Europa a chamar. 

* escrito no comboio enquanto descia portugal

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