2.2.13

as minhas histórias #2

O mais engraçado no meio de tudo foi me teres dito "não fales com estranhos". Como posso eu contrariar a minha própria essência? Claro que falei com imensos estranhos: o rapaz francês depois da festa, a rapariga espanhola que estava em Erasmus, e mais uns escoceses com piada que me convidaram para beber cerveja. É bem verdade que nem sequer gosto de cerveja. Ao fim ao cabo falei com imensas pessoas, mas o melhor foi que depois daquela viagem interminável de nove horas dentro do autocarro que percorreu quase um país inteiro, fui à casa de banho da estação, mal cheguei, juro que tinha na ideia não falar com mais nenhum estranho, mas ao lavar as mãos uma rapariga aproximou-se de mim, e até olhei para ela sem lhe dizer nada, mas quando ela me sorriu eu tive mesmo de lhe perguntar se estava tudo bem ou se querida ajuda. Depois acabamos por tomar uma coca-cola juntas, preferia ter tomado um café, mas sabes como são as coisas aqui, o café é apenas uma utopia. A rapariga era do Paquistão, e eu tenho sempre a mania de pensar que venho de um país que deu mundos ao mundo e toda aquele orgulho patriota mas a Micha nem sequer sabia onde era Portugal, quase que me doeu o coração. Depois pensei que realmente devemos ter a mania que somos os maiores, na verdade não somos. O que é bastante justo eu também não sei onde é cidade da Micha, para ser sincera nem me consigo lembrar do nome enfim, dava pano para mangas. Acabei por me despedir dela e desejar-lhe boa sorte com os estudos e entrei no outro autocarro. Chegar aqui foi o cabo das tormentas, estradas cortadas, caminhos de vacas, telemóveis sem bateria, e o raio desta cidade nunca mais chegava. Sim claro que correu tudo bem, que fazer se não trabalhar com o que se tem? Deverás gostar de saber que existem muitos portugueses aqui, muitos mesmo. Não consigo explicar a alegria que é chegar a um café e ver do outro lado da vitrina do balcão as garrafinhas pequeninas de Compal os as latas verdes do Sumol, oh como preenche a alma! Depois, olho pela janela do quarto e tenho o mar ali ao lado e vivo nesta casa vitoriana do Século XVIII que é um amor embora ainda um work in progress, pelo que é metade bonita e metade inacabada, acho que condiz comigo. A Liz do segundo andar é uma artista de circo e a meio da tarde começa a tocar violino, é uma alegria ouvi-la, embora ela pense que ninguém a ouve "cá em casa" ouve-se tudo na verdade, mas eu não lhe vou dizer nada, assim toca mais despreocupadamente. É bonito isto, as 24 primeiras horas foram-no pelo menos. Descobri que gosto de papas de aveia também. 

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