11.2.13

as minhas histórias #4

Ter o azeite ali em cima da mesa é uma alegria, é um conforto e não é por existir desde 1919. Tu que nunca partiste não sabes o que a alegria de ter qualquer coisa nossa por perto. Não sabes porque nunca sentiste a dor que é partir, não sabes porque nunca tiveste o coração vazio por seres estrangeiro e pisares calçadas de cimento cinzento frio em vez das que pisas todos os dias que são brancas e têm desenhos e são bonitas! Repara numa coisa: Portugal está amaldiçoado. Ser-se português é uma maldição. É uma maldição que todos os que partem trazem consigo entranhada ao peito e não acaba nunca! A maldição de se ser isto que é ser-se português, de se sentir este prazer tímido por se saborear uma coisa, uma coisa que sabe à azeite mas não é azeite, são as oliveiras do meu avô e é o meu avó a britar azeitonas, é o meu pai a levar as azeitonas ao lagar e sou eu a ver a pedra grande a esmagar cada caroço sem dó nem piedade. Esta maldição que é ser-se português é saber que quando o azeite cai no prato o que cai no prato não é azeite, são as minhas memórias é o significado que cada gota que cai tem porque essas gotas cheiram a essa maldição, cheiram a esse Portugal, cheiram a mim, a ti, ao avó, à ti Lucrécia, às tardes de verão na ribeira, cheiram às noites em que chorei, cheiram a podre. Cheiram a nós. Cheiram pior do que o cheiro de um lagar velho e sujo, velho e sujo, velho e sujo. Como hás-de saber? Tu nunca partiste inteiramente...

Sem comentários:

Enviar um comentário