28.10.13

Olá crise dos vinte e dois, chegaste por fim, qual capicua metafórica, que eu nunca gostei de números pares. Tinha dezoito anos e pensava, aos vinte é que vai ser, uma década inteira para me tornar dona de mim,  para evoluir e crescer, como aquelas profissionais hollywoodescas, de saia-lápis que do alto dos seus sapatos, parece que lá vão conquistando o mundo numa qualquer cidade europeia, ou americana. E agora estou eu aqui, ainda com essa imagem pré-concebida na cabeça, de que um dia, do alto dos meus saltos altos e da minha saia-lápis profissional, também conquistarei alguma coisa numa cidade estrangeira. Talvez me bastasse apenas um ordenadozinho ao final do mês. E depois acordo. Para esta realidade onde depois da crise, da falta de motivação para fazer seja o que for, e das queixas constantes sobre emigração e jovens e o diabo a quatro, o que me chateia mesmo é que me digam que não sei escrever. Heis-me aqui, na crise dos vinte e dois. Já com um curso superior, já algo viajada por essa Europa, já algo conhecedora de mim, já algo habituada a aeroportos, despedidas e novos começos, a pensar agora, que em vez de me ter mandado mais uma vez à aventura, em mais um sítio estrangeiro, o melhor não teria sido ter estudado mais um bocadinho, ter-me curvado mais um bocadinho perante aqueles que me dizem que não sei escrever, ter daqui a dois anos mais um papelinho com mais um nívelzito superior, onde a superioridade é senão mais, este mal estar com a realidade a bater-me nas trombas e a fazer-me sentir sensivelmente inútil em sítios onde nunca há lugares para mais um, ou mais dois, ou mais os quatro mil que saem dos fornos universitários. Agora, culpemos o governo, culpemos o país, culpemos o vinte e cinco de abril, culpemos os descobrimentos e o Sebastião que nunca mais cá apareceu, mas o que me chateia mesmo, é que depois de tanto desbravamento de caminhos, de tantas conquistas e tanto enfrentamento de medos, o que me chateia mesmo é que na volta dos meus vinte e dois anos, e de me fazer sempre acompanhar, com agrado, pelos poetas e escritores do meu país, e de outros, de os deitar comigo à cabeceira, e no geral, desta paixão que tenho à vida, me digam que de todas as coisas que já fiz, tudo o que o que não sei mesmo fazer, é escrever. 

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