23.6.10

packing life



Arrumar a vida pode ser complicado.
Deambulo por pessoas à medida que limpo a mesa de cabeceira, que abro e fecho gavetas e encontro, rasgo, ou deito fora coisas; alegro-me e entristeço-me com pessoas.
À medida que tiro as coisas dum sítio e as meto noutro, à medida que limpo o pó da vida, à medida que faço isto e olho pela janela do meu quarto, pensando em sair hoje, para voltar quem sabe um dia.
Hoje, o horizonte parece-me banal, as histórias para crianças parecem-me verdadeiras, porque sei que na Terra do Nunca muitas coisas acontecem. Como as coisas que eu tenho em cima da cama e no chão e na mesa, ali abandonadas, à espera que algo lhes aconteça, ou vida, ou morte, algo apenas para sairem de onde estão e serem outra coisa.
Hoje as coisas perderam-me a significação, uma vida inteira de coisas e tão poucas viagens, e tantas coisas de pessoas, mas tão poucas pessoas, tanto mundo inalcançado, mas tanta vontade de descobrir. E hoje arrumo a vida, arrumo a vida dentro da mochila dos acampamentos, e em vez de ir acampar, como devia, vou dormir. E em vez de meter na mochila o lenço, as meias e os calções, meto os vestidos, os sapatos e os livros. Em vez de ir com as estrelas, vou com a estrada, para outro sítio, para a Casa, para a Casa, a ver se encontro a sombra que me fugiu, a ver se encontro onde me perdi, para dormir ou ouvir falar diferente, ou ver outros corpos, ou simplesmente ir, por ir.
Hoje arrumo a vida e faço-me ao caminho, não com as botas de caminhada, mas com os ténis rotos, sem saber bem o que encontrar, o que dizer, o que fazer, mas indo com a história em papel, na esperança de a rasgar, e depois sorrir ou chorar e voltar apenas, voltar de onde vou
para sair outro dia qualquer. Porque no fundo, eu nunca consegui estar muito tempo no mesmo sítio...

E então, até logo. Até breve. Até um outro dia. Qualquer dia. Um dia qualquer em que nos encontremos pelo caminho, e fiquemos contentes com isso.



3 comentários:

  1. eu odeio empacotar a vida. infelizmente, nos últimos tempos não faço outra coisa. apesar de não gostar de estar sempre no mesmo sítio, estou farta deste cá e lá e não pertencer a sítio algum. eu não sinto que tenha casa. tenho a casa dos meus pais, onde ainda assim falta sempre qualquer coisa. eu já encontrei esse meu qualquer coisa e ao menos isso faz-me feliz.
    regardless, o pior de empacotar a vida: as pessoas, as histórias que vamos encontrando. as alegrias e tristezas que conseguimos sentir e viver numa questão de segundos. é por isso que enquanto arrumava as coisas, em mértola, ao mesmo tempo que estava a fazer aquilo que mais tinha desejado nos últimos anos - sair dali - chorava por o estar prestes a fazer. sabes, sendo muito rude, empacotar a vida, é fodido.

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  2. querida, eu hoje não estarei por cá, vou até Mértola. ou volto amanhã à tarde, ou volto sexta. depois na sexta à tarde vou para monte gordo e não apareço por cá até finais de agosto (até porque essa será a minha nova morada).

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  3. eu em julho e agosto, vir a aqui é mesmo impossível. mas podemos sempre combinar e vais lá um fim-de-semana ou passar uns dias, querida :)

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