25.7.11


No outro dia, pus-me dentro do comboio direita a sul (para matar saudades? para endireitar o pensamento? para acalmar o espírito?) a carruagem era a 22 e o acento o 113, lembro-me disto de cabeça, por nada em especial, mas porque fui decorando o numero até entrar na linha 4 e esperar pela partida. atravessei a carruagem, toda, até chegar ao fim, ao lado da porta inversa à que entrei, lá estava o 113, uno, simples, só, mas alguém ocupava o outro lugar - viagem com companhia - pensei (será bom, será mau?! logo penso nisso). Primeira vista (sempre comprometedora); lábios vermelhos, ray-ban's antigos próprios de quem não liga(va) a marcas ou modas, colar comprido de pérolas irregulares (verdadeiras?!) cabelo aparado sem exagero, num lusco-fusco próprio de quem passava pelas brasas, ocupava também metade do meu banco. - Sentei-me, como me deu melhor o jeito, e fechei os olhos, concentrei-me nos ruídos do espaço e mantive os olhos fechados. Passaram 10 minutos, e sinto um tocar no braço. Chamava-se Maria U., dizia que não gostava do segundo nome (e por isso, não o escrevo), era quase do Minho, entre Braga e o Porto. E felicitou o acaso de nos termos encontrado ali, uma que era do sul, e a outra que era do norte, e o acaso de nos termos encontrado ali, uma vez na vida, e de termos conversado, foi um momento maravilhoso. E eu própria agradeci ao acaso o termo-nos encontrado ali, naquela carruagem 22 naquele acento 113, por, como dizia alguém, ter conversado, conversado com alguém que ainda sabe sorrir. Tinha quase 80 anos, era viajada, arrojada, alegre, sábia. Tinha classe. E histórias para ouvir à lareira noites sem fim. A Maria U., saiu em Grândola, ia para Sines, ver as Músicas do Mundo, porque gostava de ver a animação nas ruas e de espreitar as bugigangas que os jovens vendiam. Depois de Grândola, não voltei a ver a Maria U., mas espero sinceramente que tenha comprado todas as bugigangas dos jovens, e use uma diferente todos os dias, porque são extravagantes mas não faz mal, e porque dão alegria. Espero também que a Maria U., acabe por me encontrar um dia, em qualquer parte, outra vez, para conversar, ou para rir, ou para contar peripécias, naquela que foi uma viagem que me ensinou tanto. Depois de Grândola não voltei a ver a Maria U., mas rumei até ao Algarve com a pronuncia do norte na cabeça, e aquele sorriso feliz pintado com batom vermelho que não esquecerei, mesmo que a memória desvaneça. Depois de Grândola, não voltei a ver a Maria U., nem aquele batom vermelho, mas acerdito que a vá encontrar outro dia, entre Braga e o Porto, ou pelo Sul, ou por Lisboa, porque pessoas como a Maria U., valem a pena serem (sempre) encontradas (de novo).

1 comentário:

  1. Quem se cruza contigo, nunca mais é a mesma pessoa, ainda por cima depois de uma Conversa. :)

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