17.4.12



às vezes não sei se são os meus olhos que comandam a minha cabeça, se é a minha cabeça que comanda os meus olhos. às vezes, quero acreditar que vejo mal, que vejo pior do que aquilo que realmente vejo. não sei se a minha cabeça ajuda «a ver pior» ou se são só os meus olhos que querem ver «mal». às vezes, faz-me-parecer-crer que vejo mal. vejo mal porque não gosto do que vejo, porque não gosto do que a minha cabeça vê, e constrói, com aquilo que os meus olhos lhe mostram. às vezes, tenho medo de ver, mas à noite quando me deito, tenho medo do escuro e, às vezes não quero dormir, porque tenho medo do escuro de não ver. às vezes, não quero ver, não sei se é porque os meus olhos me mostram «mal» as coisas, se as coisas estão mesmo assim e os meus olhos só vêem o que vêem. às vezes não sei qual é pior, eu ver mal com os olhos que tenho, ou as coisas existirem mal e eu as ver como elas são. estar aqui, a ver estas coisas, todos-os-dias, chateia-me. pior que isso, entristece-me. por isso, deixei de ser um animal social. deixei de usar a paixão das palavras enquanto forma de expressão, passei a sucumbir-me ao desencanto daquilo que é banal e fiquei-me por ai. estou pois cansada de falar. estou cansada de falar com as pessoas, esses animais vagabundos, estou cansada, cansada e triste de falar com paixão. deixei de falar, deixei de tentar mostrar aquilo que os meus olhos vêem, para compreender apenas o que vejo em silêncio e sozinha. deixei de ser um animal social, porque as pessoas deixaram de pensar. e eu comecei a ver «mal». às vezes tenho medo. às vezes tenho medo todos os dias. tenho medo de ir para o mundo, depois desta janela, não para o «mundo» lá longe, mas tenho sim medo deste mundo «de cá» e dos olhos que vêem. tenho medo, mas pior que isso, estou cansada. estou cansada dos olhos de um «mundo» pequeno demais para tantos que querem ver. eu quero ver mas, quero ver longe daqui, melhor, quero ver longe. quero ver o longe, longe daqui. «isto» seja lá o que «isto» for, deixa-me cansada e, estou farta. quero ir-me embora, não como o José Mário Branco que se queria ir embora para ficar, eu, quero mesmo ir embora para me ir embora, quero-me ir embora daqui, porque não quero ver o que os outros olhos todos vêem. não me quero ver dentro desses olhos que me vêem, nem quero estar cansada ou com medo de ver. quero que «ver» seja sempre uma novidade constante, que o encanto da novidade dê novo alento ao que vejo, se ver é esta maravilhosa coisa que nos aconteceu. quero ver sim, ver tudo, tudo sem ser aqui neste «tudo» que já vi tantas vezes. quero ver longe, mais longe, ainda mais longe. porque aqui, já estou cansada, cansada de ver. no outro dia estava escrito «nunca te adaptarás». nunca, sei-o bem. «nunca» porque, eu não pertenço «aqui» este «aqui» dá-me a volta ao estômago e enjoa-me tanto, ver olhos podres às voltas na minha cabeça, apodrece-me o sentir e o pensar, não, eu não pertenço aqui. não sei se pertencerei a algum lugar, ou esta ânsia continuará em cima de mim como as albardas nos burros, mas, não «isto», «isto» é uma merda! e eu, não quero pertencer aqui. 

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