10.12.13

As histórias têm sido muitas, velha Laurinda, foi a forma que arranjámos de te ter presente. Falamos em ti, há muitos anos atrás. Recordamos frases e momentos que nenhum de nós viveu contigo, mas que foram passando de boca em boca, e quase que se tornaram nossos de tanto que já os ouvimos. Assim, sentados à lareira, na casa do fogo (assim lhe chamavas tu), revivemos as tuas histórias como se lá estivéssemos estado. E nas nossas cabeças, estivemos. Ou estamos agora, em flashback e como narradores do filme a preto e branco. A forma que temos de te manter presente é o legado que nos deixaste. De maneira diferente, em diferentes tempos da vida, e em diferentes estados da tua. Mas havemos de viver com isso. Havemos de saber partilhar tudo o que temos, havemos de dar sempre um pouco mais do que somos, havemos de nos erguer a cada queda, havemos de nos levantar cedo e havemos de nunca deixar para amanhã o que podemos fazer hoje. E fazer hoje sempre tudo o que podermos. Havemos de comer gaspachos, açordas, migas, papas, torradas ao fogo, presunto, chouriças, queijo de cabra, mel, albricoques, amêndoas, azeitonas e havemos de comer pão. As nossas casas, havemos de as caiar. E havemos de construir telhados de cana e telhas. Havemos de saber como curar doenças com alho, batatas ou cebolas. Havemos de plantar árvores e ver os seus frutos cair na terra, e havemos de andar descalços nessa mesma terra. Que não se engane quem pensa que isto é um trabalho fácil. Que tu bem que foste uma mulher do teu tempo, sem nunca baixar os braços. Havemos de recordar-te, velha Laurinda, porque em morrendo, isto tudo morre contigo. E isso jamais o permitiremos. Existem tantas coisas que não se podem acabar. Então havemos de nos sentar à lareira, velha Laurinda, enquanto houver a lareira, e o monte, e a casa do fogo, haverão histórias. Haverás tu. E haverás tu até que haja eu. Até que hajamos nós. Foste mãe de tanta gente durante tantas vidas, e agora, restamos aqui à lareira velha Laurinda, com as histórias que te roubamos, no esforço de te recordar. Mas hás de viver para sempre velha Laurinda, hás de viver para sempre...  

1 comentário:

  1. faz-me lembrar tanto a minha avó... também nunca baixou os braços. e agora somos nós que não podemos baixar o braços, por ela, por tudo o que fez, por tudo o que foi.

    um beijinho de força.

    ResponderEliminar