31.12.13

Comecei o ano a beber vinho tinto, ainda me lembro da festa. Uma casa cheia de artistas de todos os feitios, e algum frio quando abriam a porta para fumar.  Fiz mais uma festa de despedida poucos dias depois, porque me despedi mais uma vez. E poucos dias depois, enchi de novo a mala preta com os habituais 20kg de vida, e zarpei, como dizia o outro. Antes de chegar ao destino, fiz uma viagem, dentro da viagem que fiz. Reencontrei amigos no norte de um país frio e chuvoso. Acantonei dentro de uma casa estranha com corpos conhecidos durante um par de dias, e fiz um piercing no nariz. Depois parti para o quase sul do mesmo país sem quente. Construí-me do zero. E durante longos meses, reconstrui-me do zero. Fiz tudo de novo. Ergui um bom castelo, ninguém diga o contrário. Observei muitos quotidianos, e cheguei a várias conclusões. Conheci-me melhor por observação alheia. Aprendi a estar. Posso dizer que cresci em todas as noites que vivi sozinha dentro de uma casa estrangeira e uma cidade estranha.  Posso dizer que a solidão me fez crescer. Com isso, tornei-me também pior, mais fria, quieta, sossegada, mais consumista, mais politicamente correcta,  e menos eu. Parece que passaram 20 anos, mas passaram só uns cinco meses. Passei a engolir os sapos e a secar as lágrimas antes de espreitarem. Os dias do longo inverno tornaram-me um velho lobo solitário. Escrevi muitas cartas, e enviei-as para muitos sítios do mundo, recebi muitas respostas. Fiz uma viagem ao país vizinho. Trabalhei durante muitas horas, dormi muito poucas. Não considerei que fosse exploração; corri por gosto, cansei-me, mas valeu a pena. Voltei depois, esperei muitas horas num avião que parecia não me querer deixar partir. À força, lá tornei. Entreguei um relatório as páginas da minha vida estrangeira, e foi considerado mal escrito. Destrocei-me. Vi duas pessoas casarem-se em inspiração árabe- Vesti-me de cor de rosa choque, e um boquet de noiva caiu-me nas mãos. Parti-me aos bocadinhos por ai. Fiz uma viagem a outro país. Casei nesse país, a primeira amiga estrangeira, com o homem da sua vida. Esperei que fossem felizes para sempre. Ganhei outra família estrangeira, lá longe, onde se bebe radler. Passeei por uma cidade estrangeira, comi coisas esquisitas e voltei a casa. Procurei por muitos sítios que fossem a Casa, encontrei tantos quantos os que me foram dando, mas nenhum deles foi ideal. Tirei a carta de condução de carro. Fiz as pazes comigo. Aprendi a olhar-me ao espelho. Comprei um bikini preto e usei-o triunfalmente. Revi amigos antigos, encontrei ao acaso outros amigos antigos, revi prioridades. Fui a uma festa das cores, colori-me por inteiro. Guardei algum do passado no passado e segui. Não deixei remorsos. O verão acabou, fui para a cidade encantada, conheci estrangeiros, festejamo-nos. Fiz jantares com 7 nacionalidades diferentes. Por mero acaso embarquei num intra-rail pela casa de amigos. Vivi Coimbra em tempo de latada, e passei o testemunho académico a outro membro da família. Foi no Mondego que me despedi  da capa. Morreu-me uma amiga. Vi-a inerte em cima de uma maca hospitalar e em silêncio disse-lhe adeus. Mas nunca consegui dize-lo em voz alta. Encontramo-nos em cima do Tejo, chorámo-la, e deixámo-la ir. Foi. Tirei a carta de condução de motociclos. Vi morrer a última das mulheres da minha vida, semanas depois. Foi nesse momento que deixei de sentir. Cambaleei para sul, dormente, e voltei para a cidade encantada, oca. Fiz novamente uma mala, e tornei ao sul. Estive na casa onde já não existe nenhuma das minhas mulheres, e não senti nada. Fui mais a sul. Para saber que o cancro, esse filho da puta, atacou mais um de nós. Reencontrei amigos antigos, sorri, sem rir. Aconcheguei-me. Sonhei todas as noites. Acordei todas as manhãs com dores na alma. Que ainda dói. Aprendi que o que falta é amar (porra)! E hei-de acabar o ano a beber vinho tinto, ou outra coisa qualquer. 

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