5.11.08

O Século


Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. Creio-me portanto, como português, com o direito de exigir uma pátria que me mereça. Isto quer dizer: eu sou português e quero portanto que Portugal seja a minha pátria.

Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria.

Portugal é um país de fracos. Portugal é um país decadente: Porque
a indiferença absorveu o patriotismo.

Nós vivemos numa pátria onde a tentativa democrática se compromete quotidianamente. A missão da República portuguesa já estava cumprida desde antes do 5 de Outubro: mostrar a decadência da raça. Foi sem dúvida a República portuguesa que provou conscientemente a todos os cérebros a ruína da nossa raça.

Dispensai os velhos que vos aconselham para vosso bem e atirai-vos independentes prá sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores.

Porque o sentimento-síntese do povo português é a saudade e a saudade é uma nostalgia mórbida dos temperamentos esgotados e doentes. O fado, manifestação popular da arte nacional, traduz apenas esse sentimento-síntese. A saudade prejudica a raça tanto no seu sentido atávico porque é decadência, como pelo seu sentido adquirido definha e estiola.

Porque Portugal não tem ódios, e uma raça sem ódios é uma raça desvirilizada porque sendo o ódio o mais humano dos sentimentos é ao mesmo tempo uma consequência do domínio da vontade, portanto uma virtude consciente. O ódio é o resultado da fé e sem fé não há força. A fé, no seu grande significado, é o limite consciente e premeditado daquele que dispõe de uma razão.


Porque Portugal quando não é um país de vadios é um país de amadores.

A fé da profissão, isto é, o segredo do triunfo dos povos, é absolutamente alheio ao organismo português do que resulta esta contínua atmosfera de tédio que transborda de qualquer resignação. Também o português não sente a necessidade da arte como não sente a necessidade de lavar os pés.
E a Literatura com todo o seu gramatical piegas e salista, diverte mais as visitas do que a necessidade de não ser ignorante. Daqui a miséria moral que transparece em todas as manifestações da vida nacional e em todos os aspectos da vida particular.

Porque Portugal a dormir desde Camões ainda não sabe o novo significado das palavras. A palavra aventura perdeu todo o seu sentido romântico, e ganhou em valor afectivo. Aventura hoje em dia, quer dizer: O Mérito de tentativa industrial, comercial ou artística.

O português, como os decadentes, só conhece os sentimentos passivos: a resignação, o fatalismo, a indolência, o medo do perigo, o servilismo, a timidez, e até a inversão.

Quando é viril manifesta-se instintivamente animal a par do seu analfabetismo primitivamente anti-higiénico.

Para criar a pátria portuguesa do século XX não são necessárias fórmulas nem teorias; existe apenas uma imposição urgente:
Se sois homens sede Homens, se sois mulheres sede Mulheres da vossa época.
Vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses.
Insultai o perigo.
Atirai-vos prá glória da aventura.
Desejai o record.
Dispensai as pacíficas e coxas recompensas da longevidade.
Divinizai o orgulho.
Rezai a Luxúria.
Fazei predominar os sentimentos fortes sobre os agradáveis.
Tende a arrogância dos sãos e dos completos.
Fazei a apologia da Força e da Inteligência.
Fazei despertar o cérebro espontaneamente genial da Raça Latina.
Tentai vós mesmos o Homem Definitivo.
Abandonai os políticos de todas as opiniões: o patriotismo condicional degenera e suja; o patriotismo desinteressado glorifica e lava.
Gritai nas razões das vossas existências que tendes direito a uma pátria civilizada.
Aproveitai sobretudo este momento único em que a guerra da Europa vos convida a entrardes prá Civilização.

O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.


Almada Negreiros



(Obama ganha eleições nos Estados Unidos, a minha pergunta é simples: O primeiro presidente de raça negra na América conseguirá mudar um mundo tão capitalista quanto insensível como este se tem demonstrado? Ou iremos todos envergar por outro ciclo vicioso?)

3 comentários:

  1. "iremos todos envergar por outro ciclo vicioso" respondendo á tua pergunta.
    ya eu sou bué negativa, ahaha.. mas nao acredito que este mundo vá mudar, se o Al Gore tivesse ganho da outra vez, secalhar, o mundo até podia mudar um bocadinho.
    beijoooooo*

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  2. E faz lembrar a música dos Deolinda: "Movimento Perpétuo Associativo"!

    Aproveito para deixar aqui a letra:

    Agora sim, damos a volta a isto!
    Agora sim, há pernas para andar!
    Agora sim, eu sinto o optimismo!
    Vamos em frente, ninguém nos vai parar!

    Agora não, que é hora do almoço...
    Agora não, que é hora do jantar...
    Agora não, que eu acho que não posso...
    Amanhã vou trabalhar...

    Agora sim, temos a força toda!
    Agora sim, há fé neste querer!
    Agora sim, só vejo gente boa!
    Vamos em frente e havemos vencer!

    Agora não, que me dói a barriga...
    Agora não, dizem que vai chover...
    Agora não, que joga o Benfica...
    e eu tenho mais que fazer...

    Agora sim, cantamos com vontade!
    Agora sim, eu sinto a união!
    Agora sim, já ouço a liberdade!
    Vamos em frente, é esta a direcção!

    Agora não, que falta um impresso...
    Agora não, que o meu pai não quer...
    Agora não, que há engarrafamentos...
    Vão sem mim, que eu vou lá ter...

    Acho que diz bastante! O Português há muito que vive das velhas glórias, sem notar que o país de agora é um país balofo e incapaz de acompanhar os desafios globais das novas eras (e se me perguntarem a mim o problema disto tudo vem das nossas tão aclamadas descobertas; foram elas a meu ver a causa da nossa perdição)! Por isso sabes que eu defendo os extremismos e os meios termos enojam-me ... fazem falta mais pessoas que sintam visceralmente as pequenas coisas do dia a dia, porque o deixa andar é para meninos e a revolução está ao alcance de cada um de nós: basta querermos!

    Quanto à questão final, o Obama é um Homem, com tudo o que de bom e de mau isso tem! As suas políticas serão condicionadas por inúmeras variantes, entre elas a actual crise financeira e os poderes já estabelecidos na América! No entanto creio que ele poderá fazer a diferença em questões como Ambiente e Politica Externa ...

    mesmo que assim não seja, creio que a vitória de um afro-americano nas eleições americanas é por si um evento de enormes proporções!

    «Rosa Parks sentou-se para Martin Luther King poder andar. Martin Luther King andou para Obama poder correr. Obama está a correr para nós podermos voar» (Jay-Z).

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  3. Nada vai mudar, porque não é na Casa Branca que se muda as coisas.

    Os presidentes são meras marionetas, do Governo Invisível.

    Perguntas tu o que é o Governo Invisível? Explico-te depois, talvez até já saibas, talvez não.

    As coisas que se passam, não se passam como sabemos, passam-se sem sabermos, logo acho que o Obama vai ser mais uma tentativa de revolucionário falhado, esperemos que não seja assim, que mude então as coisas para bem melhor...

    Amei o conteúdo do teu blog, beijinhos inês*

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