26.4.12

Tinta



Não tenho tatuagens. Não porque não goste delas, gosto, mas não me consigo prender à ideia de ter algo para sempre. Se calhar, este é o primeiro ponto errado na minha vida; o desapego à ideia do «fixo». Metáfora. Que é isso do para sempre? Quando eu me acabar, organicamente, a tatuagem fundir-se-há na minha pele. Não tenho tatuagens, porque não me acredito a olhar para a mesma imagem todos os dias, como marca intrínseca, sem me agoniar por completo (não por ser uma tatuagem, mas por ser a mesma imagem todos-os-dias). E este deve ser mesmo o principal erro da minha vida. O desapego que tenho às coisas, como elas são, chega a ser abominável. Nunca chego lá, às vezes, nunca quero chegar mesmo lá. Fico aborrecida a meio do caminho, fico apática, desmotivam-me as coisas antes mesmo de acabar. Há quando tempo não leio um livro até ao fim? Fico-me sempre pela metade, pelas metades das histórias que contam, ou por falta de tempo ou por falta de paciência. Nunca chego ao fim das coisas; às vezes nem sequer chego ao fim das pessoas, aborreço-me a meio do caminho e vou-me embora, às vezes, por medo, às vezes por agonia. As pessoas assustam-me, muito. É por isso que não tenho tatuagens, não por não gostar delas, mas por não aguentar que algo seja permanente. Este, deve ser o principal erro da minha vida. Andar de um lado para outro sem pontos fixos nem tatuagens, nem nada que consiga ter um fim. Estes meios, estes inacabados, estes quases-lá. Este sentimento incompleto que não se completa nunca, por mais voltas que dê e, até elas, a meio fogo. Nunca acabo nada, a vida, fica-me a meio, e tantas vezes as pessoas me ficam a meio, umas porque eu as deixo outras, porque me deixam a mim. É devastadora esta forma estúpida de fazer as coisas ou de não as fazer. É por isso que não tenho tatuagens. Mas tenho as unhas pintadas, muitas vezes, muitas vezes de cores diferentes. As cores das minhas unhas, são como eu, voláteis, incompletas, vazias. Vão e voltam, voltam quando quero, se sorriem ou se choram, as cores das minhas unhas são falsas, como a cor com que as pinto. É tudo falso. É por isso que não tenho tatuagens, seria a única coisa verdadeira em mim, e não aguentaria ter algo tão profundo entranhado na minha pele, profana.

1 comentário:

  1. Vou fazer a segunda depois do Verão.
    Custou-me imenso fazer a primeira, exactamente por esses motivos. Agora que a tenho, é algo que me identifica, que me define, que é parte de mim. Por isso é que me recuso a dizer o que significa e porque a fiz, pois isso seria ligar-me demais aos outros.

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