12.5.12

as mulheres antigas

A Ti Lucrécia tem mais de 90 anos, quando eu nasci já era «velha» hoje, mais ainda. A Ti Lucrécia, deu-me comida, fez-me comida, riu-se comigo e de mim quando achou por bem fazê-lo, zangou-se comigo quando teve de se zangar, sorriu-me quando me fui embora e estendeu-me os braços quando voltei. À porta da casa pequena onde vive, ela, ainda mais pequena e do alto da sua idade grande, vê-me chegar e vê-me partir sempre com o mesmo sorriso sem dentes que tem. A Ti Lucrécia foi um bocadinho minha mãe, foi um bocadinho minha avô, foi um bocadinho minha bisavô e nunca foi da minha família, mas foi, sempre. A Ti Lucrécia continua na sua casa pequena, com a sua vista cansada a olhar para os dias e a vivê-los ao sabor de uma felicidade humilde que não quer mais do que aquilo que é. A Ti Lucrécia é sábia, tem uma sabedoria que eu nunca vou ter; conhece a natureza, os ciclos do campo, as árvores, os bichos, as estações. Não sabe escrever, mas isso não tem importância nenhuma. A Ti Lucrécia é uma mulher do monte, sempre foi, vive na sua casinha pequena e vive com alegria. A pele cheia de rugas, própria de quem já passou muitos sóis, é um mapa de aventuras apaixonantes. Hoje telefonei-lhe, disse-lhe "Ti Lucrécia sou eu, a I." e ela riu-se "Ah filha, és tu!" falámos durante seis minutos, sobre o tempo, o monte, a vida, a minha "escola", perguntei-lhe "Ti Lucrécia, ainda vai ao café?" ela respondeu-me "Atão filha, concerteza! Todos os dias depois de almoço vou ao café ali em baixo!" as mulheres do monte, são guerreiras, conhecem a natureza, vivem a partir dela, respeitam-na e vivem, a Ti Lucrécia não tem mais que um metro e trinta de altura, e vai ao café todos os dias, o único café do monte. Depois disse-me "Uma pessoa tem de ir andando com os dias. E tu faz "isso" bem a ver se ganhas trabalho. Ainda bem que me ligaste filha, fiquei muito contente de teres ligado! Saúdinha, é preciso é saúde, não te esqueças" - A Ti Lucrécia é uma mulher à antiga, já viveu muitas coisas, para contar muitas mais, cresci a beber o café de cevada que fazia pela manhã e, nunca o o cheiro do café pela manhã me cheirou tão bem como o que se fazia em casa da Ti Lucrécia. A Ti Lucrécia é uma mulher antiga, inexplicável, com uma garra invejável, é uma mulher grande, é para sempre uma das mulheres da minha vida, "um abraço apertadinho filha"... 

3 comentários:

  1. andorinha12 maio, 2012

    gostei tanto de ler isto :) a Ti Lucrécia deve ser tão simpática!

    ResponderEliminar
  2. Fiquei com uma certa vontade de a conhecer!;)

    ResponderEliminar
  3. Que maravilha de senhora... É bem verdade que uma mulher do monte é uma autêntica guerreira! Não conheço nenhuma "Ti Lucrécia", mas o teu texto elucidou-me e agradou-me :) Beijinhos

    ResponderEliminar